13.9.15

DESAMARRE O GATO

Isolado no topo de uma montanha distante, o monastério vivia na paz absoluta. Todos os dias, às cinco da madrugada, os monges se reuniam numa sala para a primeira oração da manhã. Em silêncio total e imperturbável, meditavam durante 40 minutos. Num certo dia, no entanto, essa rotina foi quebrada. Um gato, que se instalara no sótão, resolveu que iria caçar ratos, derrubar objetos e miar como louco justamente no momento da oração. A princípio, os monges tentaram abstrair. Não deu certo. O barulho impedia a concentração.

Como não seria piedoso expulsar o gato, o abade tomou uma decisão: “vamos fazer o seguinte”, disse ele a seu ajudante, “às quinze para as cinco da madrugada, você vai até o sótão e amarra o gato. Amordace-o também para que ele não mie. Quando terminarmos a oração, você sobe e o solta”.
Assim durante muito tempo, a ordem do abade foi cumprida. Mesmo depois que ele morreu, anos mais tarde, o gato continuou sendo amarrado e amordaçado. E, quando o gato morreu, os monges saíram em busca de outro gato para que fosse amarrado e amordaçado durante a meditação. As décadas se passaram e os antigos monges também morreram. As novas gerações de abades, irmãos e monges continuaram amarrando e amordaçando o gato.
Com o passar do tempo, ninguém mais saiba dizer como surgira o hábito e nem se lembrava para que servia. Mesmo assim, ou talvez por isso mesmo, o ritual ficou cada vez mais importante. Foi criado o cobiçado cargo de “amarrador de gato” – essa pessoa precisava seguir as diretrizes de um grosso manual, que especificava o tipo de corda a ser usada, quantas voltas tinham de ser dadas ao redor do gato e os tipos de nós permitidos.
No mosteiro, surgiram inúmeros grupos de pesquisa, que se dedicavam a interpretar a origem do ritual – a corrente predominante defendia uma origem divina, argumentado que o gato, a mordaça e a corda eram metáforas da santa trindade. Outros monges, baseados em livros antigos de leitura restrita, garantiam que a simbologia era outra e evidenciava a origem humana – pois só pelas mãos do homem é que gato, corda e mordaça passavam a ser uma entidade única.
Aos poucos, as divergências sobre a origem do ritual ficaram insustentáveis e os monges se dividiram em dois grupos inconciliáveis. Um deles que acreditava que qualquer gato poderia ser amarrado e amordaçado, partiu do monastério e fundou sua própria escola. O outro grupo, que garantia que apenas gatos brancos poderiam ser amarrados e amordaçados, permaneceu no monastério. O primeiro grupo acusa o segundo de radicalismo. O segundo acusa o primeiro de heresia. Já há quem fale em criar uma terceira ordem, com as virtudes dos dois grupos e nenhum dos defeitos. Enquanto isso, muitos monastérios que nunca se desentenderam por causa de rituais incompreensíveis continuam prosperando.
Moral da historia: esquecendo o lado caricatural, quantas vezes você já viu essa historia se repetir em inúmeras igrejas, empresas, casas? Quantas vezes já cumpriu procedimentos sem pé nem cabeça, que ninguém mais sabe quem criou nem para quê? Por isso, iniciamos aqui a campanha Desamarre o gato, para tornar sua vida onde estiver mais produtiva, ou menos ilógica, como queira.